quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Música e Liturgia na IECLB

     Compartilho um artigo meu em co-autoria com o Prof. Dr. Roger Marcel Wanke, da Faculdade Luterana de Teologia (FLT - São Bento do Sul), intitulado "Música e Liturgia na IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil". O artigo, publicado no segundo semestre de 2018, é fruto de um ensaio monográfico realizado durante minha graduação em teologia, e aborda aspectos bíblicos, históricos e teológicos da utilização da música na liturgia na história da Igreja, e especificamente na IECLB. Também é abordada a relação de diferentes correntes teológicas internas à IECLB (evangelicalismo, pietismo e teologia da libertação) e seus respectivos movimentos (Movimento Encontrão, Missão Evangélica União Cristã, Pastoral Popular Luterana) com a liturgia e a música.

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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A Igreja dos Irmãos Morávios - Unitas Fratrum

     Um dos capítulos mais interessantes na história do protestantismo é o do movimento dos Irmãos Morávios. Apesar de representar um pequeno segmento do protestantismo atual (cerca de 700 mil pessoas no mundo todo), a sua influência ultrapassa as fronteiras denominacionais. 
Jan Huss (c. 1369-1415)
     A Igreja dos Irmãos Morávios, cujo nome oficial é Unitas Fratrum (União dos Irmãos), traça suas origens a partir de Jan Huss, reformador religioso da Boêmia (atual República Tcheca). No século 15, Huss questionou doutrinas e práticas da Igreja de seu tempo, de maneira semelhante a que fizeram os reformadores do século 16, como Martim Lutero, insistindo na tradução da Bíblia e na celebração dos cultos na língua do povo. No entanto, a reforma proposta por Huss não foi tão bem sucedida quanto a que viria a ocorrer no século seguinte, pois o reformador foi condenado pelo Concílio de Constança e queimado como herege em 1415. Apesar disso, o movimento dos seguidores de Huss (ou hussitas) continuou se expandindo e fundou sua própria igreja na Boêmia em 1457. Por esse motivo, a Igreja dos Irmãos Morávios hoje alega ser a mais antiga denominação protestante.
     No século 16, com o advento da Reforma Luterana,  os hussitas também passaram a aderir à Confissão de Augsburgo e ao Catecismo Menor de Lutero. No entanto, com a contra-reforma o protestantismo perde espaço na Boêmia, e o movimento passa a ser perseguido, e praticamente destruído na Guerra dos 30 Anos. Um pequeno grupo dos irmãos manteve a sua fé de maneira clandestina na Morávia (de onde surge o apelido "Irmãos Morávios") nos séculos 16 e 17.
Nikolaus von Zinzendorf (1700-1760)
      A partir de 1722 um grupo de irmãos morávios procura abrigo nas terras que pertenciam ao conde Nikolaus Ludwig von Zinzendorf, um luterano pietista, que os autoriza a estabelecerem uma colônia na Saxônia, chamada Herrnhut. Em menos de 5 anos, a colônia contava com cerca de 300 pessoas, e tornou-se um centro do pietismo na Alemanha. Embora a vontade de Zinzendorf fosse de que a colônia permanecesse ligada à Igreja Luterana estatal, houve muitas tensões pois nem todos os colonos desejavam isso. De qualquer maneira, a colônia tornou-se o centro de um movimento de avivamento que teve grande influência na Igreja Luterana e além dela.
     Em 1737, o conde Zinzendorf foi exilado da Saxônia pois a comunidade de Herrnhut foi considerada uma ameaça à Igreja estatal, por causa de sua independência. A comunidade foi transferida para Herrnhaag, e posteriormente dispera para diversos lugares na Europa, continuando a crescer.
      Dentre as características dos Irmãos Morávios, destacam-se algumas:
     - O pacifismo: ênfase na vida cristã de acordo com o Sermão do Monte, e a recusa ao uso da violência.
     - Missão: os morávios são considerados pioneiros no que diz respeito à missão e evangelização no protestantismo, tendo estabelecido comunidades nos continentes americano, africano e asiático.
     - Ecumenismo: embora adotem a Confissão de Augsburgo, a Igreja dos Irmãos Morávios sempre teve um caráter supraconfessional, e adotou também confissões de fé das igrejas reformada e anglicana. A ênfase não é colocada na confessionalidade, e sim na vida cristã. Numa época de intensas e violentas disputas não apenas entre protestantes e católicos, mas também entre as diferentes vertentes do protestantismo, a comunidade de Herrnhut acolhia exilados de diversos lugares da Europa que eram perseguidos por sua fé, sem obrigá-los a subscrever a alguma confessionalidade em particular. Essa atitude é melhor descrita pelo mote "no essencial unidade, no não essencial liberdade, em tudo amor".
     Embora tenham se tornado uma igreja independente, os irmãos morávios continuam de certa forma fazendo parte da família denominacional luterana. A Igreja dos Irmãos Morávios na África do Sul é filiada à Federação Luterana Mundial; a dos Estados Unidos está em plena comunhão com a Igreja Evangélica Luterana da América; e a da Alemanha participa como membro associado da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), que congrega luteranos e reformados.
     Dentre as personalidades que se destacaram na história dos morávios, além de Jan Huss  e do conde Zinzendorf, está Jan Amos Comenius, pedagogo considerado pai da didática moderna, que foi bispo da igreja.
     A influência dos morávios no luteranismo pode ser percebida na hinódia. Hinos que constam nos hinários luteranos brasileiros como "Corações em fé unidos" e "Guia-nos Jesus" remontam à autoria de Zinzendorf. Também as Senhas Diárias, livros com leituras diárias de versículos do Antigo e do Novo Testamento, são editadas pela comunidade de Herrnhut ainda hoje, e são amplamente utilizadas em comunidades luteranas brasileiras. Outros hábitos como a leitura de textos devocionais, pequenos grupos de oração e estudo bíblico, etc, remontam aos irmãos Morávios e ao movimento pietista como um todo. Na Inglaterra, o movimento dos irmãos Morávios serviu de inspiração para o avivamento liderado por John Wesley, que deu origem à Igreja Metodista, e influenciou o protestantismo nos Estados Unidos da América.
     No Brasil, houve o estabelecimento de uma comunidade de Irmãos Morávios de origem teuto-russa em Brüdertal (em alemão "terra dos irmãos"), atualmente município de Guaramirim (SC). No entanto, o modelo comunitário durou pouco tempo entre os imigrantes, que mais tarde filiaram-se à Igreja Luterana. O pastor que liderava a comunidade, Wilhelm Lange, mais tarde atuou na paróquia luterana em Brusque (SC).
     Atualmente, a maior parte dos membros da Igreja dos Irmãos Morávios vive na África e na América Latina, mas existem também muitas comunidades na América do Norte e um pequeno número que continua na Europa. Muitas comunidades e famílias que pertenciam à tradição morávia foram absorvidas por igrejas luteranas ou reformadas maiores. No Brasil, não há atualmente comunidades filiadas à denominação. No entanto, a história de perseguição, coragem e empenho missionário dos irmãos morávios continua servindo de inspiração para muitos cristãos.
     
Igreja dos Irmãos Morávios em Herrnhut
    
"Nossa cordeiro venceu. Vamos segui-lo!" (Lema dos Irmãos Morávios) 

Referências:


SELL, Ingeborg. O Pietismo: Um movimento que mudou a história da Igreja. São Bento do Sul: União Cristã, 2016.

UNITAS FRATRUM, The origin and growth (acessar)