quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Igrejas e movimentos herdeiros do pietismo no Brasil


            O pietismo surgiu na Alemanha no século 17 como um movimento de renovação na Igreja Luterana. Não desenvolveu uma nova doutrina, e também não se tornou um movimento unificado. Phillip Jacob Spener (1635-1705), teólogo e pastor luterano considerado o pai do pietismo, era defensor da base doutrinária confessional do luteranismo. Seu livro “Pia
Ilustração encontrada em muitos lares pietistas
Desideria” (desejos piedosos) surgiu originalmente como prefácio a uma obra devocional de autoria de Johann Arndt. Neste pequeno texto, Spener advoga por uma reforma moral e prática na vida da igreja. Suas propostas encontraram adesão em vários círculos especialmente dentro da Igreja Luterana, mas não apenas nela. Por todos os territórios protestantes na Europa se espalharam grupos de estudo da Bíblia. Associados ao pietismo estão as figuras de August Hermann Francke, o conde Nikolaus von Zinzendorf e a Igreja dos Irmãos Morávios, e o norueguês Hans Nielsen Hauge.  Historicamente, também se reconhece a influência do pietismo no surgimento do metodismo na Inglaterra, e do evangelicalismo norte-americano. Apesar da ênfase na piedade individual, o pietismo também está associado às obras de diaconia na Alemanha.

            Como o pietismo não deu origem a um movimento unificado, mas sim a uma pluralidade de movimentos de renovação religiosa por toda a Europa, nem todos eles permaneceram vinculados ao luteranismo. Houve também movimentos que se separaram das igrejas estatais européias, e outros que negaram a prática do batismo infantil. Em comum, o que esses movimentos tinham era uma ênfase na necessidade de levar uma vida piedosa, na oração e leitura da Bíblia. Dentre os imigrantes protestantes que vieram da Alemanha para o Brasil, existiram muitas famílias de tradição pietista. Outros foram influenciados já no Brasil pela atividade de missionários pietistas enviados da Alemanha, que supriram a demanda por pregadores entre as comunidades teuto-brasileiras protestantes.

            Há muitos movimentos e denominações religiosas brasileiras que tem suas origens históricas ligadas ao pietismo luterano. É impossível delimitar com exatidão o seu alcance, pois os movimentos pietistas convergem teologicamente com o evangelicalismo de missão proveniente dos Estados Unidos, e muitas vezes acabam se confundindo com este. A espiritualidade pietista também está presente em grupos pequenos ou até famílias dentro de comunidades protestantes tradicionais. Embora não seja a linha teológica predominante dentro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), o pietismo está presente desde as primeiras décadas da imigração alemã que deu origem à denominação. Práticas como as reuniões de grupos de estudo bíblico e o uso do livreto Senhas Diárias, que contém versículos bíblicos para cada dia do ano, são influências do pietismo que podem ser sentidas em toda a IECLB. 


Movimento Encontrão


            O Movimento Encontrão se define como um movimento de renovação espiritual dentro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). O movimento agrega pastores, missionários e lideranças leigas em torno de um perfil teológico evangelical/pietista. Promove retiros e acampamentos conhecidos como “Encontrões”, além de seminários de formação para ministros e lideranças.

Sede do Movimento Encontrão e da FATEV em Curitiba
            Embora seja herdeiro da tradição pietista que veio da Alemanha para o Brasil com muitas famílias de imigrantes já desde os primórdios da formação do luteranismo no Brasil, o movimento só passa a se institucionalizar oficialmente na década de 1960, na cidade de Novo Hamburgo (RS), quando lideranças da comunidade luterana local iniciam um trabalho de visitação a membros. O movimento de renovação espiritual ganha fôlego com a vinda do pastor norte-americano John Aamot, e sua acentuada ênfase na necessidade de conversão pessoal ao Evangelho. Entre as pessoas que atendiam ao chamado à conversão, formaram-se inúmeros pequenos grupos chamados ECO (estudar, compartilhar e orar). Devido à proximidade geográfica com a Faculdade de Teologia da IECLB em São Leopoldo (RS), as ideias do movimento se espalham entre estudantes de teologia, futuros pastores da IECLB. A ênfase teológica oriunda do evangelicalismo americano também encontrou eco nos anseios de muitos luteranos que herdaram formas de devoção e piedade do pietismo alemão.

            Atualmente o movimento tem sua sede em Curitiba (PR), onde também mantém o Centro Pastoral de Missão e a Faculdade de Teologia Evangélica, que oferece curso de graduação em teologia com ênfase em missão, o qual é reconhecido pela IECLB para a formação de missionários no quadro de ministros ordenados da Igreja. O movimento também mantém a agência Missão Zero, responsável pela plantação de diversas igrejas, principalmente no nordeste brasileiro e no oeste de São Paulo. Essas igrejas, filiadas à IECLB, possuem ênfase evangelical e não têm relação com a imigração alemã. É impossível determinar com exatidão o tamanho e o alcance do movimento, pois a adesão de membros e pastores costuma ser informal. No entanto, há um número significativo de paróquias da IECLB que participam e apoiam as atividades promovidas pelo Encontrão. 




Igreja Luterana Livre


            A Igreja Luterana Livre também se reconhece na tradição do pietismo luterano, embora não tenha laços históricos com a Alemanha. A denominação surgiu nos Estados Unidos, por meio de imigrantes escandinavos. Traça suas origens a partir do avivamento liderado na Noruega por Hans Nielsen Hauge, um pregador pietista leigo. O movimento de Hauge teve profunda influência na Noruega e acabou se espalhando por toda a Escandinávia no século 19. Nesse mesmo século, imigrantes escandinavos chegaram aos Estados Unidos, formando diversas igrejas luteranas. Parte dessas igrejas foram se unindo em sínodos, que posteriormente deram origem à Igreja Evangélica Luterana da América
Igreja Luterana Livre em Campo Mourão (PR)
(Evangelical Lutheran Church Of America). Outra parte, resistente às tendências que percebia como liberais e ecumênicas, acabou se unindo na Associação de Congregações Luteranas Livres. As igrejas da associação cooperam entre si, mas são independentes, adotando um sistema de governo congregacional. Aderem às confissões luteranas, mas tendem a cultuar de maneira menos litúrgica.

            Em 1964, as igrejas luteranas livres norte-americanas enviam ao Brasil o casal John e Ruby Abel para darem início ao trabalho missionário em Campo Mourão (PR), dando origem à Igreja Luterana Livre no Brasil. A denominação atualmente tem cerca de 18 igrejas, a maioria delas no Paraná, mas também no Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Espírito Santo. Essas igrejas são autônomas, mas formam a Associação das Igrejas Luteranas Livres do Brasil (AILLB), que mantém um seminário teológico e um lar para menores em situação de risco em Campo Mourão (PR).





A Igreja Evangélica Congregacional no Brasil (IECB)


            O congregacionalismo na região sul do Brasil e na Argentina surgiu a partir de imigrantes luteranos e reformados. Esses imigrantes, na década de 1920 na Argentina, por nutrirem uma forma de espiritualidade pietista, não desejaram se filiar às comunidades luteranas de linha tradicional ou liberal. Solicitaram auxílio pastoral à Igreja Congregacional dos Estados Unidos, uma denominação de linha teológica reformada, onde também haviam imigrantes alemães de orientação pietista, que tinham parentesco com aqueles imigrantes argentinos. A igreja americana enviou em 1924 para a Argentina o Pastor John Hölzer, dando origem à Igreja Congregacional Argentina.

            No Brasil, na década de 1930, algumas comunidades no Rio Grande do Sul que também estavam descontentes com os pastores luteranos provenientes da Alemanha, passaram a se organizar independentemente. Essas comunidades inicialmente chamaram-se Igreja Evangélica Luterana Confessional, até que reuniram-se em assembléia em 1938 e decidiram aderir ao congregacionalismo, por meio de contatos com os congregacionais argentinos. Em 1942 foi fundada oficialmente em
Igreja Congregacional em Panambi (RS)
Panambi (RS) a Igreja Evangélica Congregacional do Brasil, com 7 paróquias, todas no Rio Grande do Sul. O pastor Karl Spittler é considerado o fundador da denominação. A partir da adesão de outras comunidades evangélicas livres, bem como do trabalho missionário, a denominação cresceu e atingiu todos os estados da região sul do Brasil, além do Paraguai, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Amazonas. Atualmente, a Igreja conta com mais de 40 paróquias, espalhadas em cerca de 300 comunidades.

            As igrejas que filiaram-se à IECB eram quase todas dissidentes do luteranismo, algumas de vertente mais pietista, e outras com pouca espiritualidade. Por influência do congregacionalismo americano, a IECB tornou-se uma Igreja Reformada, embora em certos aspectos divirja do calvinismo (na questão da dupla predestinação, por exemplo, na qual os congregacionais brasileiros não crêem). A IECB tem uma compreensão simbólica da Santa Ceia, mas batiza crianças assim como a Igreja Luterana. Embora teologicamente a IECB tenha se afastado do luteranismo, a herança comum faz com que especialmente as comunidades mais antigas ainda mantenham semelhanças no que diz respeito à liturgia e vivência da fé.

            Apesar da semelhança quanto ao nome, a IECB não tem ligações com o congregacionalismo presente mais ao norte do país, oriundo do trabalho missionário do casal Robert e Sarah Kalley no século 19.




O pietismo oriundo de missões alemãs no Brasil


            Nas décadas de 1920 e 1930 iniciaram-se no Brasil trabalhos de associações missionárias alemãs. Essas associações estavam sob o “guarda-chuva” da Convenção de Gnadau (Gnadauer Verband), uma associação de grupos evangélicos de orientação teológica pietista. A convenção, apesar de ter uma estrutura própria independente, não é uma denominação religiosa, pois sempre trabalhou em parcerias com as igrejas protestantes locais (luteranas, reformadas ou unidas) e também com igrejas livres. É, portanto, uma associação não-denominacional. Surgiu no final do século 19 com o intuito de congregar todos os grupos de missão e diaconia com orientação pietista dentro da Igreja Evangélica Alemã.

            Dois trabalhos paralelos ligados à Convenção de Gnadau tiveram início no Brasil de maneira bastante similar: a Sociedade União Cristã, em Santa Catarina (atualmente Missão Evangélica União Cristã – MEUC), e a Missão de Cristianismo Decidido, no Paraná. Ambos os movimentos tiveram sua origem a partir de correspondências enviadas por imigrantes evangélicos alemães preocupados com a situação espiritual de suas colônias, uma vez que o atendimento pastoral era precário, devido às grandes distâncias entre as comunidades e ao número reduzido de pastores. Havia o receio de que gradualmente a fé evangélica desses imigrantes se perdesse.


- Missão Evangélica União Cristã (MEUC)


            A MEUC surge a partir da correspondência enviada à Alemanha por uma senhora chamada Johanna Michel-Loercher em São Bento do Sul (SC). A convenção, que recebeu a correspondência pedindo o envio de um pregador, resolveu atender ao pedido e fundou a Gnadauer-Brasilien Mission, enviando ao Brasil o missionário Alfred Pfeiffer em 1927. O trabalho se inicia em São Bento do Sul, mas nos anos seguintes passa a concentrar-se mais em Blumenau (SC). Na década seguinte, são enviados mais dois missionários da Alemanha: Friedrich Jakob Dietz e Willy Steenbock. Assim os missionários puderam expandir o trabalho, realizando estudos bíblicos e evangelizações em São Bento do Sul, Blumenau, Rio do Sul, Timbó, Ibirama, Jaraguá do Sul e Joinville (todas em Santa Catarina). Nas décadas seguintes, a União Cristã passa a formar missionários brasileiros, e o trabalho se expande. Atualmente, o movimento está presente em Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.

Primeira sede da MEUC em Blumenau (SC)
            Importante ressaltar que esse trabalho não visava a fundação de uma nova igreja, mas sim promover o avivamento entre imigrantes teuto-brasileiros que já eram filiados aos sínodos luteranos que posteriormente vieram a se unir formando a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). No entanto, não foram poucas as tensões existentes entre missionários e pastores, devido às divergências teológicas entre os pietistas e luteranos de uma linha mais tradicional ou liberal. Além disso, por meio do trabalho diaconal e social, a MEUC passa a alcançar pessoas que não eram provenientes do contexto evangélico-luterano ou de etnia alemã. Sendo assim, com o passar dos anos o movimento acabou adquirindo uma identidade e estrutura próprias e independentes. Na maioria dos locais onde a MEUC está presente, esta conta com uma sede própria onde são realizados cultos e demais atividades. Nem todas as pessoas que frequentam as atividades são membros da IECLB. Pode-se afirmar que no Brasil o movimento seguiu a mesma filosofia da Convenção de Gnadau na Alemanha: trabalhar com a Igreja (isto é, em parceria), mas não sob a Igreja.

            Nos anos 2000, a presidência da IECLB e a diretoria da MEUC assinaram um documento fixando diretrizes para a parceria entre as duas instituições. Por meio do documento, a MEUC ficou reconhecida como um movimento intra-eclesiástico (e não uma igreja) na IECLB, e comprometeu-se a observar a base confessional da IECLB. Abriu-se a possibilidade de locais de culto da MEUC serem reconhecidos como pontos de pregação, comunidades ou mesmo como paróquias pela IECLB. Na
Parceria IECLB/MEUC em São Gabriel do Oeste (MS)
prática, essa parceria funciona bem em muitas localidades. Em outras, os distritos da MEUC acabam atuando como comunidades independentes. O vínculo entre a IECLB e a MEUC também é fortalecido pela Faculdade Luterana de Teologia, que atualmente é reconhecida como um centro de formação tanto para pastores da IECLB quanto para missionários da MEUC. O trabalho iniciou-se a partir da escola bíblica da MEUC, fundada em 1960 no bairro Mato Preto (São Bento do Sul). A partir de 1988, torna-se centro de formação teológica, e em 1999 é reconhecida como curso superior pelo Ministério da Educação. Além da formação teológica e das atividades comunitárias no âmbito de seus distritos, a MEUC também deu origem a trabalhos diaconais e sociais como centros de recuperação de dependentes químicos, abrigo a menores e creches. Os retiros e acampamentos promovidos pela MEUC para públicos específicos (adolescentes, jovens, mulheres, famílias, etc.) também são frequentados por grupos de diversas paróquias da IECLB.



- A Missão de Cristianismo Decidido


            A Missão de Cristianismo Decidido no Brasil iniciou a partir do pedido de um colono de origem alemã na cidade de Ivaí (PR) chamado Kurt Junghans, na década de 1920. Conta-se que o Sr. Kurt encontrou por acaso um papel, que era a capa de um informativo evangélico alemão, onde constava o endereço de Missão de Marburgo, outra entidade missionário ligada à Convenção de Gnadau. Preocupado com a situação espiritual e educacional de suas famílias, os colonos pediram o envio de um missionário ou professor. Essa solicitação foi atendida em 1932 com a chegada do missionário Artur Melzer. Chegando ao Brasil, o missionário fez contato e dirigiu estudos bíblicos com grupos de colonos alemães em Curitiba, Ponta Grossa e Ivaí (PR). Nos anos seguintes, foram enviados os
Igreja de Cristianismo Decidido em Rolândia (PR)
missionários Theodor Grischy e Sigismund Jesse, e o trabalho se estendeu para a cidade de Rolândia (PR).

            O trabalho com grupos pequenos de estudo bíblico é uma característica do pietismo alemão, e foi com essa metodologia que a Missão de Cristianismo Decidiu se desenvolveu em seus primeiros anos. A maioria dos participantes eram alemães ou teuto-brasileiros no Paraná filiados à comunidades evangélicas luteranas. No entanto, com o passar do tempo o trabalho foi ganhando autonomia com a fundação de igrejas locais independentes. No entanto, os missionários da Cristianismo Decidido tinham boas relações com a Igreja Luterana. Após ter ficado preso por 4 meses sob a acusação de ser simpatizante nazista, o missionário Artur Melzer atuou como pastor na Igreja Luterana de Rio Negro (PR) de 1942 a 1956. Essa acusação foi fruto da política do governo brasileiro nos anos 1940 que chegou a proibir o uso do idioma alemão em comunidades religiosas, dificultando o trabalho de evangelização, pois muitos colonos sequer sabiam falar o português.

            O nome da missão “Cristianismo Decidido” é proveniente de uma organização internacional de grupos de juventude, do qual fizeram parte os missionários pioneiros na Alemanha. Apesar da estreita ligação com as comunidades luteranas no Paraná, a missão acabou dando origem a uma denominação independente, a Associação das Igrejas de Cristianismo Decidido (AICD). Com o tempo, a teologia desses grupos oriundos do pietismo alemão também começou a se afastar da base confessional do luteranismo, rejeitando inclusive o batismo infantil. Atualmente, algumas igrejas da AICD também aderem a práticas pentecostais.

            Um dos personagens mais conhecidos da história da Cristianismo Decidido foi o pastor e evangelista Alcides Jucksh. Nascido em 1912 em Curitiba, Jucksh foi à Alemanha estudar em um seminário para evangelistas na década de 1940. Retornando ao Brasil em 1947, foi pastor de igrejas Cristianismo Decidido e ajudou a fundar a Editora Luz e Vida (conhecida por ter criado o personagem “Smilinguido”), em Curitiba. Trabalhando como evangelista itinerante, Jucksh também teve forte atuação dentro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), onde foi reconhecido como pastor, e o seu legado é percebido do norte ao sul do Brasil. Jucksh faleceu em 2012, poucos meses antes de completar 100 anos de idade, em Gramado (RS). Até pouco tempo antes de falecer, ainda mantinha grupos de estudos bíblicos no Rio Grande do Sul, frequentados por muitos luteranos.

            Atualmente toda a organização das igrejas e da missão de Cristianismo Decidido está sob liderança de brasileiros. A Missão de Cristianismo Decidido, que deu origem à denominação evangélica de mesmo nome, continua atuante no Brasil, nas áreas de evangelismo, plantação de igrejas, ensino teológico e missão entre indígenas, servindo também de apoio às comunidades da denominação. Apesar de terem seguido caminhos diferentes como denominação, e se afastado da confessionalidade luterana, certamente há muitos pontos de convergência com luteranos de ênfase pietista ou evangelical, e a história de muitas famílias e até comunidades da IECLB foi marcada pela presença da Cristianismo Decidido.





quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Música e Liturgia na IECLB

     Compartilho um artigo meu em co-autoria com o Prof. Dr. Roger Marcel Wanke, da Faculdade Luterana de Teologia (FLT - São Bento do Sul), intitulado "Música e Liturgia na IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil". O artigo, publicado no segundo semestre de 2018, é fruto de um ensaio monográfico realizado durante minha graduação em teologia, e aborda aspectos bíblicos, históricos e teológicos da utilização da música na liturgia na história da Igreja, e especificamente na IECLB. Também é abordada a relação de diferentes correntes teológicas internas à IECLB (evangelicalismo, pietismo e teologia da libertação) e seus respectivos movimentos (Movimento Encontrão, Missão Evangélica União Cristã, Pastoral Popular Luterana) com a liturgia e a música.

Link para o artigo:

Link para a edição da revista:

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A Igreja dos Irmãos Morávios - Unitas Fratrum

     Um dos capítulos mais interessantes na história do protestantismo é o do movimento dos Irmãos Morávios. Apesar de representar um pequeno segmento do protestantismo atual (cerca de 700 mil pessoas no mundo todo), a sua influência ultrapassa as fronteiras denominacionais. 
Jan Huss (c. 1369-1415)
     A Igreja dos Irmãos Morávios, cujo nome oficial é Unitas Fratrum (União dos Irmãos), traça suas origens a partir de Jan Huss, reformador religioso da Boêmia (atual República Tcheca). No século 15, Huss questionou doutrinas e práticas da Igreja de seu tempo, de maneira semelhante a que fizeram os reformadores do século 16, como Martim Lutero, insistindo na tradução da Bíblia e na celebração dos cultos na língua do povo. No entanto, a reforma proposta por Huss não foi tão bem sucedida quanto a que viria a ocorrer no século seguinte, pois o reformador foi condenado pelo Concílio de Constança e queimado como herege em 1415. Apesar disso, o movimento dos seguidores de Huss (ou hussitas) continuou se expandindo e fundou sua própria igreja na Boêmia em 1457. Por esse motivo, a Igreja dos Irmãos Morávios hoje alega ser a mais antiga denominação protestante.
     No século 16, com o advento da Reforma Luterana,  os hussitas também passaram a aderir à Confissão de Augsburgo e ao Catecismo Menor de Lutero. No entanto, com a contra-reforma o protestantismo perde espaço na Boêmia, e o movimento passa a ser perseguido, e praticamente destruído na Guerra dos 30 Anos. Um pequeno grupo dos irmãos manteve a sua fé de maneira clandestina na Morávia (de onde surge o apelido "Irmãos Morávios") nos séculos 16 e 17.
Nikolaus von Zinzendorf (1700-1760)
      A partir de 1722 um grupo de irmãos morávios procura abrigo nas terras que pertenciam ao conde Nikolaus Ludwig von Zinzendorf, um luterano pietista, que os autoriza a estabelecerem uma colônia na Saxônia, chamada Herrnhut. Em menos de 5 anos, a colônia contava com cerca de 300 pessoas, e tornou-se um centro do pietismo na Alemanha. Embora a vontade de Zinzendorf fosse de que a colônia permanecesse ligada à Igreja Luterana estatal, houve muitas tensões pois nem todos os colonos desejavam isso. De qualquer maneira, a colônia tornou-se o centro de um movimento de avivamento que teve grande influência na Igreja Luterana e além dela.
     Em 1737, o conde Zinzendorf foi exilado da Saxônia pois a comunidade de Herrnhut foi considerada uma ameaça à Igreja estatal, por causa de sua independência. A comunidade foi transferida para Herrnhaag, e posteriormente dispera para diversos lugares na Europa, continuando a crescer.
      Dentre as características dos Irmãos Morávios, destacam-se algumas:
     - O pacifismo: ênfase na vida cristã de acordo com o Sermão do Monte, e a recusa ao uso da violência.
     - Missão: os morávios são considerados pioneiros no que diz respeito à missão e evangelização no protestantismo, tendo estabelecido comunidades nos continentes americano, africano e asiático.
     - Ecumenismo: embora adotem a Confissão de Augsburgo, a Igreja dos Irmãos Morávios sempre teve um caráter supraconfessional, e adotou também confissões de fé das igrejas reformada e anglicana. A ênfase não é colocada na confessionalidade, e sim na vida cristã. Numa época de intensas e violentas disputas não apenas entre protestantes e católicos, mas também entre as diferentes vertentes do protestantismo, a comunidade de Herrnhut acolhia exilados de diversos lugares da Europa que eram perseguidos por sua fé, sem obrigá-los a subscrever a alguma confessionalidade em particular. Essa atitude é melhor descrita pelo mote "no essencial unidade, no não essencial liberdade, em tudo amor".
     Embora tenham se tornado uma igreja independente, os irmãos morávios continuam de certa forma fazendo parte da família denominacional luterana. A Igreja dos Irmãos Morávios na África do Sul é filiada à Federação Luterana Mundial; a dos Estados Unidos está em plena comunhão com a Igreja Evangélica Luterana da América; e a da Alemanha participa como membro associado da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), que congrega luteranos e reformados.
     Dentre as personalidades que se destacaram na história dos morávios, além de Jan Huss  e do conde Zinzendorf, está Jan Amos Comenius, pedagogo considerado pai da didática moderna, que foi bispo da igreja.
     A influência dos morávios no luteranismo pode ser percebida na hinódia. Hinos que constam nos hinários luteranos brasileiros como "Corações em fé unidos" e "Guia-nos Jesus" remontam à autoria de Zinzendorf. Também as Senhas Diárias, livros com leituras diárias de versículos do Antigo e do Novo Testamento, são editadas pela comunidade de Herrnhut ainda hoje, e são amplamente utilizadas em comunidades luteranas brasileiras. Outros hábitos como a leitura de textos devocionais, pequenos grupos de oração e estudo bíblico, etc, remontam aos irmãos Morávios e ao movimento pietista como um todo. Na Inglaterra, o movimento dos irmãos Morávios serviu de inspiração para o avivamento liderado por John Wesley, que deu origem à Igreja Metodista, e influenciou o protestantismo nos Estados Unidos da América.
     No Brasil, houve o estabelecimento de uma comunidade de Irmãos Morávios de origem teuto-russa em Brüdertal (em alemão "terra dos irmãos"), atualmente município de Guaramirim (SC). No entanto, o modelo comunitário durou pouco tempo entre os imigrantes, que mais tarde filiaram-se à Igreja Luterana. O pastor que liderava a comunidade, Wilhelm Lange, mais tarde atuou na paróquia luterana em Brusque (SC).
     Atualmente, a maior parte dos membros da Igreja dos Irmãos Morávios vive na África e na América Latina, mas existem também muitas comunidades na América do Norte e um pequeno número que continua na Europa. Muitas comunidades e famílias que pertenciam à tradição morávia foram absorvidas por igrejas luteranas ou reformadas maiores. No Brasil, não há atualmente comunidades filiadas à denominação. No entanto, a história de perseguição, coragem e empenho missionário dos irmãos morávios continua servindo de inspiração para muitos cristãos.
     
Igreja dos Irmãos Morávios em Herrnhut
    
"Nossa cordeiro venceu. Vamos segui-lo!" (Lema dos Irmãos Morávios) 

Referências:


SELL, Ingeborg. O Pietismo: Um movimento que mudou a história da Igreja. São Bento do Sul: União Cristã, 2016.

UNITAS FRATRUM, The origin and growth (acessar)